Será que usamos o smartphone para nos conectarmos ao mundo ou escaparmo-nos? Quando vemos alguém focado no seu ecrã sabemos que tem o cérebro ocupado, mas o que fará a mente com a informação consumida? Qual a motivação para estarmos tanto tempo ligados? Falta de estímulo? Isso tem um nome: tédio.

”Estou aborrecido.” – diz para si mesmo aquele que espera um tempo interminável para tirar um passe, ou aguarda numa fila de supermercado que seja atendido, ou encontra-se numa sala de espera de um hospital ou clínica para uma consulta médica, ou espera que o próximo autocarro chegue depois de ter perdido o anterior por 10 segundos. São inúmeros os momentos em que experimentamos a sensação de tédio. Não é fácil lidar com o tédio, embora tenha apontado algumas pistas num artigo anterior.

A locutora americana Manoush Zomorodi notou haver uma ligação entre a falta de estímulo (tédio) e um florescimento da criatividade e motivação intrínseca que a intrigou, questionando – ”Poderá a falta de ideias estar ligada a nunca estar aborrecida?”

O pensamento-de-plástico (fast-thought) associado ao consumo de informação entretém-nos de tal forma que o crescimento da nossa consciência, através de uma apreciação crítica da informação consumida, torna-se lento. O que o cérebro faz quando nada estamos a fazer, ou focados numa determinada tarefa, é vaguear. E quando isso acontece entramos num ”modo-por-defeito” (default mode), activando lugares na mente responsáveis pela resolução de problemas e gerar as melhores ideias. Aliás, um artigo publicado na Consciousness and Cognition explica que esse vaguear é um modo de pensar espontâneo através do qual podemos planear e antecipar propósitos pessoais relevantes para o futuro, designado por planeamento autobiográfico.

 

Benefícios do Tédio

Criatividade

Quando deixamos a mente vaguear por esse planeamento autobiográfico começamos a ter pensamentos originais, a resolver alguns problemas encravados no pensamento, isto é, entramos em momentos de criatividade, o berço daquilo que nos distingue neste planeta.

A futurista Rita J. King designa estes momentos em que a nossa mente realiza conexões novas e diferentes como o tédio da criatividade. Neles deixamos que a inspiração flua através do tempo que damos a nós mesmos de não focar em nada em particular e perguntar “E se…?”

O Dr. Jonathan Smallwood, professor de neurociências cognitivas da Universidade de York, afirma que ”de um modo profundo, existe uma ligação forte entre originalidade, criatividade, e os pensamentos espontâneos que geramos quando as nossas mentes estão inertes.” E como diz Manoush Zomorodi, ”tens de te deixar aborrecer para resplandecer.”

A ligação entre criatividade e imaginação é forte, daí que faça algum sentido a expressão popularizada por Rita King da emergência da Era da Imaginação após esta Era da Informação. A imaginação leva-nos a conectar o que é imaterial, mas impulsiona a cultura e a sociedade. É necessário dar descanso aos nossos cérebros, sobretudo através de momentos de tédio, para os alimentar da ingenuidade que gera rasgos de génio com soluções impensáveis à partida, soluções fora da caixa.

Produtividade

Ao contrário do que poderíamos pensar, o facto de entrarmos num momento de tédio pode beneficiar a nossa produtividade pela força de motivação intrínseca que gera. Mas a natureza dessa força não é a que esperamos.

Quando algo nos entusiasma, sentimo-nos atraídos por isso, e não restam muitas dúvidas de que somos produtivos quando fazemos algo por gosto. Mas a força produtiva do tédio é diferente. Ninguém se sente atraído por momentos de tédio. De facto, o tédio é uma força repulsiva como afirma o filósofo Søren Kierkegaard

”O efeito que o tédio produz é absolutamente mágico, mas este efeito não é de atracção, mas de repulsão.”

Num estudo recentemente publicado pela Academy of Management Discoveries, pediram a um de dois grupos de pessoas que separasse os feijões de uma taça por cor (branco e vermelhos), e ao outro que realizasse uma tarefa mais interessante. Depois, deram a cada um dos grupos a tarefa de inventar desculpas para uma pessoa que se tivesse atrasado, de modo a que não ficasse mal vista. O grupo dos aborrecidos com a separação dos feijões teve o melhor desempenho. Realmente, depois de um momento de tédio, o que mais queremos é realizar algo estimulante, certo?

Serenidade

Qual a razão por haver quase 3 milhões de pessoas a visualizarem toalhas a serem dobradas? Designa-se a esta onda por “Resposta Meridiana Auto-Sensorial” (ASMR – Auto-Sensory Meridian Response) sobre a qual o jornalista Britânico Rhodri Marsden escreveu um artigo onde explora como estes videos entediantes atraem milhões de pessoas e depressa estão a tornar-se mais um fenómeno da internet sobre o qual a psicologia sabe ainda muito pouco.

O certo é que demonstram como o tédio possui a característica de acalmar as pessoas.


E se experimentasses durante 3 minutos olhar pela janela fazendo… nada?