Durante uma palestra resolvi fazer uma experiência para demonstrar como as notificações dos telemóveis podem quebrar a nossa concentração. Curiosamente, a experiência falhou, mas só recentemente percebi porquê.

Sobre a mesa tinha um teste psicotécnico com diversas figuras. O desafio consiste em rasurar 3 das múltiplas e repetidas configurações. Da primeira vez pedi ao voluntário que o fizesse e certifiquei-me que tinha o seu smartphone perto, mas sem qualquer notificação. Depois, pedi para repetir o teste, mas tinha combinado com os colegas para lhe enviarem mensagens durante o segundo desafio. Curiosamente, o desempenho foi igual.

A experiência tinha falhado, e comecei a pensar que seria possível treinar a nossa atenção para ignorar as notificações que recebemos através dos smartphones. Porém, ao ler recentemente um artigo fiquei a perceber que o voluntário já estaria desconcentrado e a experiência só faria sentido se na primeira vez, o smartphone estivesse guardado na mochila.

Adrian Ward, Kirsten Duke, Ayelet Gneezy e Marten Bos publicaram um artigo no Journal of the Association for Consumer Research cunhando a expressão e hipótese chamada de ”drenagem cerebral.”


Hipótese da ‘drenagem cerebral’ (…) a mera presença do nosso smartphone pode ocupar a capacidade limitada que os nossos recursos cognitivos têm, deixando-nos com menos recursos disponíveis para outras tarefas, e diminuindo o nosso desempenho cognitivo.


Dizem os autores que

”mesmo quando as pessoas têm sucesso ao manter uma atenção sustentada – por exemplo, quando evitam a tentação de olhar para os seus telemóveis – a mera presença destes dispositivos reduz a capacidade cognitiva disponível. (…) O preço cognitivo é tanto mais elevado quanto maior for a dependência que têm do seu smartphone.”

Eu não fazia a ideia.

Relacionamento com o smartphone

De acordo com diversos estudos, a média de vezes em que as pessoas pegam no seu smartphone é de 85 vezes por dia. Os motivos incluem ao acordar, antes de deitar e há quem pegue nele a meio da noite. Mais do que um mero dispositivo electrónico, os smartphones tornaram-se companheiros da vida sem os quais muitas pessoas não saberiam o que fazer. Este aspecto traduz-se num grau de dependência que as pessoas têm do seu smartphone.

Além do grau de dependência, todos reconhecemos como os smartphones são pontos de acesso personalizados ao que a conectividade mundial tem para oferecer. Isso leva a que estes dispositivos, como companheiros da vida, comecem a integrar-se nos seus aspectos mais pequenos. Por exemplo, se estivermos atentos na rua, vemos uma grande parte das pessoas com o telemóvel na mão sem fazer dele qualquer uso, independentemente de terem bolsos, malas, bolsas ou casacos. E esta personalização do smartphone é de tal ordem que Anja Roye, Thomas Jacobsen e Erich Schröger do Instituto de Psicologia da Universidade de Leipzig na Alemanha observaram na sua investigação que os sinais produzidos pelo nosso smartphone activam o mesmo sistema de atenção involuntária que responde ao som do nosso nome.

Por esta razão, o relacionamento cada vez mais personalizado que as pessoas têm com o seu smartphone acaba por influenciar as tarefas que temos para realizar em que o seu uso é irrelevante, prejudicando o nosso desempenho em duas vertentes. A primeira é uma distracção forte, onde a nossa atenção é redirecionada para pensamentos e comportamentos associados ao telemóvel. A segunda seria uma distracção fraca onde a nossa atenção não é redireccionada, mas redistribuída entre a tarefa que exige concentração e o nosso telemóvel. Isto possui consequências em relação ao nosso desempenho em qualquer aprendizagem.

Efeito Visual da presença do smartphone

Uma investigação feita por um grupo do Sterling College nos EUA mostrou que usar telemóveis ou redes sociais enquanto aprendemos coisas novas reduz a compreensão e prejudica o desempenho académico. Este poderia ser considerado um exemplo do efeito da distracção fraca.

Na prática, a frequência com que observo o uso de um telemóvel, seja no corredor de uma universidade, ou numa paragem de autocarro, indica uma omnipresença destes dispositivos que, ao longo do tempo, se converte em mais do que um mero objecto, mas possui uma relevância pessoal cada vez maior e, por isso, uma potente força de orientação da nossa atenção.

Há quem tenha estudado que uma separação forçada entre nós e o toque do nosso telemóvel pode aumentar o batimento cardíaco e a ansiedade, diminuindo o desempenho cognitivo. Alguém podia imaginar que algo tão pequeno pudesse influir deste modo o nosso comportamento?

Para testar a hipótese da drenagem cerebral em que a mera presença de um smartphone pode limitar os recursos associados ao nosso capital de atenção, Adrian Ward, Kirsten Duke, Ayelet Gneezy e Marten Bos fizeram uma experiência com três grupos de estudantes.

O primeiro grupo tinha o smartphone à sua frente na secretária, o segundo tinha-o no bolso ou numa mochila, e o terceiro grupo tinha o seu smartphone numa outra sala. Para minimizar o efeito distractivo daqueles que tinham o telemóvel na secretária, os investigadores pediram para o colocarem com a face voltada para baixo. Os resultados foram evidentes. Quanto mais à vista estiver o smartphone, ou seja, está cada vez mais próximo do seu dono, maior é a sua influência e menor a capacidade cognitiva disponível. E isto acontece sempre, mesmo nas pessoas que conseguem estar concentradas com o telemóvel perto de si.

Numa segunda experiência, aos que tinham o smartphone na secretária, os investigadores pediram para o desligar. Mesmo assim, só facto do dispositivo estar presente, o desempenho desse grupo foi sempre menor do que os restantes. E verificaram ainda que o efeito era tanto maior quanto maior for o grau de dependência do dispositivo. Assim, concluíram que

”quanto mais os consumidores dependem dos seus smartphones, mais parecem sofrer com a sua presença – ou, numa perspectiva mais optimista, mais podem beneficiar com a sua ausência.”

Isto representa um marco profundo no relacionamento entre nós, consumidores, e a tecnologia. Enquanto a maior parte das inovações ocupavam um espaço bem definido na vida das pessoas, basta pensar na televisão, os smartphones transcendem esses limites por estarem permanentemente connosco (desde que tenham bateria). Além disso, oferecem um acesso permanente a uma vasta rede de informação e entretenimento.

O papel que representam na vida de milhares de milhões de pessoas em todo o mundo possui o potencial de influência sem precedentes na história da humanidade, quer para o bem, como para o mal. Mas ninguém podia prever que o preço a pagar por ter estes dispositivos integrados no quotidiano fosse uma drenagem cerebral induzida por esses. Como diminuir esses feitos?

Superar a “drenagem smartphono-cerebral

A solução mais simples consiste em cultivar uma separação. Se o ditado dizia já ”longe da vista, longe do coração,” nada mais o justifica do que aplicá-lo à interacção que temos com os nossos smartphones. O resultado será longe da vista, mais concentração.

Porém, como isso pode causar alguma ansiedade, sobretudo nas pessoas que demonstram maior dependência dos dispositivos, aconselha-se que a separação ocorra em tempos e períodos definidos, de preferência, aqueles onde precisamos estar mais concentrados como em momentos de aprendizagem, desenvolvimento de trabalhos criativos, ou tarefas que exigem a nossa concentração máxima para que o resultado seja de elevada qualidade.

Uma solução mais duradoira consiste em ajustar a relevância que um smartphone tem no nosso quotidiano. O facto de fazermos deste dispositivo mais do que um telefone, uma câmera ou colectânea de apps, significa que tudo junto torna-se um modo de vida, conectado com tudo e todos no mundo inteiro, possuindo um custo cognitivo elevado e cujo excesso de conectividade pode fazer o efeito adverso de nos isolarmos da realidade à nossa volta.

Porém, na minha opinião, a solução definitiva é uma outra ainda.

Consciência

“Awareness is the first step to freedom.” (Jaron Lanier)

A tecnologia associada aos smartphones é uma verdadeira revolução no modo como comunicamos e usamos a tecnologia. Lembro-me sempre de resolver um problema na impressora da minha mãe através de uma ligação remota usando o meu smartphone, enquanto caminhava para o trabalho na universidade. Antes, tal não seria possível.

O problema está na consciência que temos ou não temos daquilo que outros (grandes companhias, pequenos grupos de interesse, ou pessoas – ditas – famosas, etc.) fazem para manipular o nosso comportamento. O primeiro impacte foi ao ver o seguinte rewind do conhecido programa 60minutes dedicado ao brain hacking.

 

Se queres realmente re-assumir o controlo da tua atenção e capacidade de concentração, precisas de tomar consciência daquilo que se está a passar no mundo através dos dispositivos electrónicos e começar a usar a tecnologia em vez de ser usado por essa.