Aproximamo-nos de um novo ano lectivo e laboral. O cenário de pandemia mantém-se. Por isso, os desafios de Março de 2020 continuam, e questiono se aprendemos alguma coisa com a experiência da primeira onda de infecção com a Covid-19. Seguramente que sim, mas uma possível segunda onda leva-nos a novos desafios e, consequentemente, a precisar de novas soluções. A matemática poderá servir de ajuda, sem haver muitas contas, por ser, antes, uma inspiração para o modo de lidar com os problemas.

No que diz respeito às resolução de problemas em matemática, John Conway diz existir «uma linha de demarcação entre duas eras, a resolução de problemas antes e depois de Polya.» Ele refere-se ao matemático húngaro George Polya (1887-1985) que no seu livro ”How to solve it” propõe quatro fases para a resolução de um problema:

  1. compreender;
  2. planear;
  3. concretizar;
  4. rever.

E apesar de desenvolver este caminho para resolver problemas em matemática, esta sequência lógica parece-me ser suficientemente universal para ser aplicada a qualquer problema, ou melhor, desafio.

 

compreender … planear … concretizar … rever …

 

A compreensão de um problema vai para além de identificar as suas características. Significa, antes de mais, perceber o modo como essas características se relacionam para gerar o problema.

Penso que esta é a fase mais importante quando estamos perante um desafio. Sentimos os efeitos do problema, procuramos desesperadamente por soluções fáceis, e muitas vezes cedemos ao que os outros pensam (se não pensámos ainda a fundo) sobre as coisas.

Basta pensar nos conselhos ridículos dados por Donald Trump para proteger os americanos do coronavirus, e na quantidade imensa de pessoas infectadas nesse país que se afirma como uma potência mundial. Ou ver ainda pessoas que insistem em usar a máscara com o nariz à mostra — o vírus entra pelas vias respiratórias e o nariz é uma delas —, ou colocarem no pescoço (que pode ter ficado infectado com aerossóis) e depois transportarem o virus para a boca (outra via respiratória), acabando por se infectarem. Estas atitudes demonstram como é fundamental compreender bem o problema para o resolver.

 

…compreender … planear … concretizar … rever …

 

Depois de compreender o problema que queremos resolver, há quem “meta a mão na massa” e, sem qualquer planeamento, “dá desgraça.” É um jogo de palavras, mas salienta a importância de encontrar o caminho que conecta os dados que temos à compreensão que fizémos do problema. É nesta fase que tentamos ver se o problema é novo, ou já aconteceu no passado.

De facto, na pandemia gerada pela gripe espanhola de 1918, o uso das máscaras não foi suficiente para mitigar a propagação do virus porque se conhecia pouco sobre o seu modo de funcionamento e qualquer tecido servia, quando isso não é verdade. Por exemplo, com técnicas avançadas de luz laser, os meus colegas da ILA-5150 mostram-nos o que acontece às partículas quando tossimos e usamos diferentes tipos de máscaras.

Planear uma solução passa por ver os problemas de diversos ângulos, relacionar com problemas semelhantes, a fim de identificar os passos que foram dados na resolução desses problemas, e usá-los como fonte de inspiração para definir os passos a dar na resolução do novo problema. Por outro lado, é nesta fase que podemos exercer a criatividade humana e experimentar. Por exemplo, aplicando soluções de uns problemas para resolver outros problemas.

 

…compreender … planear … concretizar … rever …

 

Uma vez que delineámos um plano, chegou o momento de o concretizar. A cada passo planeado importa verificar se está correcto. É aqui que a resolução de muitos problemas pára e não progride devido à capacidade humana de procrastinar.

Iniciar processos é importante, e relativamente fácil, mas cada ideia delineada é uma responsabilidade a assumir por quem a delineou. Esta é a fase que distingue os que fazem daqueles que apenas pensam fazer e têm medo de falhar. Um exemplo disto é o que disse Thomas Edison em relação à invenção da lâmpada — «eu não falhei. Apenas descobri 10 000 maneiras que não funcionam.» A concretização de um plano remete-nos, sistematicamente, para a quarta fase.

 

…compreender … planear … concretizar … rever

 

Não chega obter uma solução à primeira. É essencial examinar e rever se a solução encontrada responde à questão e compreensão do problema. Será a melhor solução? Daí a necessidade e valor de fazer ajustes.

Por exemplo, no início da pandemia, um dos problemas na propagação do virus devia-se à dificuldade que as pessoas tinham em aderir ao uso de máscaras por não fazer parte da sua cultura. Já havíamos compreendido como o coronavirus se propaga pelos aerossóis. O plano para mitigar o problema implicava uso das máscaras. Logo, concretizá-lo seria bastante simples: meter a máscara a cobrir a boca e o nariz. Mas usar uma máscara é desconfortável e a adesão não foi imediata. Hoje, esse é o cenário mais comum de cada vez que entramos num hipermercado. Ou seja, as pessoas reviram e ajustaram o seu comportamento, melhorando o modo como concretizam o plano para conter o coronavirus.

Existem muitos esquemas para a resolução de problemas. Alguns com sete passos, outros com dez passos, mas quando analisados ao detalhe, as quatro fases de Polya estão lá, e são mais simples de compreender e aplicar.

Quando estamos perante um desafio, talvez pareça um pouco ridículo ter de pensar em todas estas fases. De facto, muitos de nós percorremos estas fases quase por intuição, mas a vantagem de pensar nas quatro é não desprezar a primeira: compreender. A incerteza que vivemos nestes tempos de pandemia é uma reacção aos desafios que surgem, e pode ter a sua raiz no agir sem compreender.

Compreender os problemas que vivemos, por vezes, leva-nos a concluir serem falsos problemas. E, com essa claridade, quantas dificuldades se dissipam, poupando a energia física e emocional necessárias para enfrentar os desafios que realmente contam e que se avizinham nos próximos tempos.