Os tempos que vivemos de distanciamento social começam a fazer-se sentir. Enquanto existem muitas sugestões para o modo como os pais podem ajudar os filhos a lidar com o stress e a ansiedade, vejo menos dicas para os adultos a partir da idade dos jovens universitários. E se os adultos não conseguirem lidar com o isolamento social, como poderão ajudar os mais novos?

Foto de Aaron Burden em Unsplash

Desde o dia 25 de Abril de 1974 que Portugal celebra este como o Dia da Liberdade. Mas enclausurados em casa para salvar as pessoas dos efeitos duros e perigosos da pandemia do coronavírus, viver a liberdade tornou-se num grande desafio. Restritos a casa, os momentos de ansiedade começam a chegar e, com esses, o risco de entrarmos em depressão, agravando ainda mais a situação. Enquanto pensava nisto cruzei-me com uma reportagem sobre uma ideia intrigante.

Em 2002, o jornalista Jim Pollard escreveu para o The Guardian sobre uma terapia que

«Ajudou grupos tão diferentes como veteranos do Vietnam, prisioneiros psiquiátricos e predadores sexuais a lidar com os traumas pessoais. Ajudou a aliviar sintomas de doenças específicas, como a asma e a artrite reumática. Mostrou-se que melhora o sistema imunitário e um estudo revelou ter ajudado desempregados no Texas a encontrar um novo emprego. (…) ajudou os estudantes americanos a resolver-se interiormente em relação ao 11 de setembro. Não possui efeitos secundários e está disponível a qualquer idade, e em qualquer lugar.

Se fosse um medicamento, este tratamento versátil teria o impacto no público semelhante ao do Viagra. De facto, a falta de uma empresa farmacêutica na sua promoção é, talvez, parte da razão pela qual os seus benefícios são tão pouco conhecidos. É mais barato do que qualquer medicamento – o custo de caneta e papel. Pois, o tratamento milagroso é, muito simplesmente, o que estou a fazer agora: escrever.»

Cruzando esta idea terapêutica com o que li recentemente sobre o modo como escritores famosos lidaram com a depressão através da escrita começou a fazer algum sentido.

«Escrever é uma forma de terapia; às vezes penso em todos aqueles que não escrevem, compõem ou pintam conseguem escapar à loucura, à melancolia, ao pânico inerente à situação humana.» (Graham Green, 1904-1991, escritor)

Quando escrevemos usamos a nossa criatividade e imaginação e sem nos apercebermos estamos a exercitar uma forma de libertação das preocupações que nos cura.

O que sentimos à nossa volta é um pouco o desmoronar dos ritmos de vida e a falta de perspectiva de quando voltará a algo mais normal. A imaginação em nós leva-nos a procurar compreender o que vivemos e a criar novas conexões que unam interiormente os nossos pensamentos, sentimentos e experiências num todo que faça algum sentido. Por isso, a ideia de que através da escrita consigamos aprender a lidar com o que perdemos encontra eco dentro de nós. Pois, escrever é simples e não depende de ninguém senão de nós próprios.

Se a ler aguça a mente, a escrita liberta-a e cura-a.

A escrita livre terapêutica não se destina a ninguém senão à própria pessoa. Por isso, não interessa se a gramática está correcta, se os pensamentos são profundos ou lógicos. Não interessa se usamos poesia ou prosa, realidade ou ficção. Livre significa, literalmente, sem qualquer filtro.

Estudos mostraram que a escrita afecta-nos fisicamente, diminuindo as visitas ao médico relacionadas com o stress, melhoram o sistema imunitário – como já havia Pollard assinalado -, reduzem a pressão sanguínea, melhoram o funcionamento dos pulmões e muitas mais vantagens.

As palavras conseguem mudar o modo como vivemos a realidade. Por isso, quando as escrevemos devemos dedicar-lhes algum tempo e espaço sem as interrupções que nos chegam frequentemente pelo smartphone.

Para que a terapia produza maior efeito é melhor escrever com a própria mão do que usar um teclado. Ao escrevermos com a nossa caligrafia, tudo se torna mais pessoal e as palavras que colocamos no papel são, realmente, um pouco de nós mesmos.

A escrita à mão permite um acesso mais livre à nossa criatividade e maior fluidez na materialização dos pensamentos e sentimentos em palavras impressas na página. Será o lápis ou a caneta que servirão de conexão entre o consciente (ou inconsciente) e o mundo físico através das palavras escritas. O treino de escrever não é físico, mas cerebral. Daí que a mente se acalme em tempos de intempérie, diminuindo a ansiedade e evitando o risco de depressão.

Há mais de dois anos que todos os dias escrevo pela manhã 3 páginas, as páginas matinais. Experimento como nelas posso colocar tudo o que penso e sinto, sem filtros, ou preocupações com a gramática ou lógica das ideias. O despertar da criatividade acontece naturalmente. Certo é que, desde que o faço, aumentei muito o ritmo de escrita de textos, mesmo quando me sinto menos inspirado.

Neste período de pandemia convido-te a experimentar esta terapia e a partilhar a experiência (se quiseres).

Para saber mais