As novas tecnologias vieram libertar o nosso tempo ou preenchê-lo ainda mais? Ainda que tenhamos a informação toda ordenada e arrumada, sabemos onde está? O problema talvez não esteja nas novas tecnologias, ou no grau de organização da informação, mas naquilo que temos a mais.

Cal Newport, professor de computação na Universidade de Georgetown nos Estados Unidos lançará um livro novo com o título deste post, Minimalismo Digital – Escolher uma vida focada num mundo ruidoso. O tema é muito actual e tenho acompanhado com interesse o trabalho deste autor desde que li o seu Deep Work e ”So Good They Can’t Ignore You” (ainda por traduzir em português).

A ideia subjacente a este trabalho é a de que os serviços digitais a que temos acesso através dos nossos dispositivos tornaram-se de tal modo fascinantes e viciantes que podem diminuir, significativamente, a nossa qualidade de vida e sentido de autonomia.

A solução que Newport pretende desenvolver é a de uma filosofia que designa por minimalismo digital. O argumento é o de que devíamos reduzir radicalmente o tempo que gastamos online, focando num número reduzido de actividades escolhidas com base do profundo valor que têm para nós. Tudo o resto é para colocar de parte.

Uma das maiores fontes de excessos digitais são as redes sociais. Sobre isso, Newport chegou mesmo a propor investirmos mais nas redes sociais analógicas. Parece ridículo, mas são aquelas em que estamos realmente com as pessoas e interagimos. É um aspecto curioso porque está profundamente ligado com a manutenção de um cérebro jovem.

Num artigo recente na New Scientist, li que o facto estarmos com outras pessoas e socializarmos preserva a nossa saúde cognitiva. Um exemplo disso é um estudo publicado em 2018 onde o psiquiatra Andrew Sommerlad e colegas demonstraram como estar casado reduz o risco do declínio cognitivo e demência. A razão está nas conversas regulares que os casais mantêm entre si para superar as dificuldades e manter saudável o seu relacionamento matrimonial. Não há uns contactos sociais que sejam melhores do que outros. O importante é, simplesmente, não prescindir deles.

Qual a necessidade do minimalismo digital?

Quando as pessoas decidiram comprar um iPhone, a razão era a simples combinação de um iPod com um telemóvel. Ou quando se inscreveram no Facebook, também a razão era o simples acompanhamento da vida de pessoas que perdemos o rasto com o tempo. Mas quando estas grandes empresas se aperceberam da capacidade viciante destes dispositivos e serviços, começaram a comercializar produtos para estimular o comportamento consumista compulsivo. Aliás, um dos designers mais conhecidos de Silicon Valey, Tristan Harris, chamou a atenção para o facto de serem apps cujo design é optimizado, de tal modo que se torne irresistível usá-lo.

Controlar as distracções digitais

Um dos resultados mais evidentes dos excessos digitais são as distracções. E o efeitos que essas têm sobre o nosso bem-estar e capacidade de trabalho é tal que nem nos damos conta disso, certo? Também aqui é o resultado de andarmos distraídos.

Um dos passos intermédios que nos permite demonstrar o efeito das distracções consiste em desligar as notificações. Passado poucos dias começamos a notar que não olhamos tanto para o telemóvel, a bateria dura mais tempo e começamos, gradualmente, a ter mais tempo do que antes. Porém, não chega.

A força cultural da tecnologia app cria algo de novo para nos “forçar” a voltar a usá-la e a ligar as notificações. O que tenho notado, sobretudo em alguns estudantes, é o apagar das apps dos próprios telemóveis. Quando isso acontece, nem que seja por 30 dias, ou apenas uma semana, ganhamos um novo controlo sobre a nossa vida e as coisas que lhe dão real valor.

O melhor modo de controlar as distracções digitais acaba por ser a escolha de actividades analógicas. Nem que seja aprender um instrumento novo, ou outra actividade artística, recuperar o gozo dos jogos de tabuleiro ou promover mais actividades fora de casa.

Por outro lado, o ser humano precisa de espaço e tempo para reflectir. Com a intrusão massiva da gratificação instantânea proveniente da vida digital, pouco espaço e tempo sobram. Daí que as pessoas consumam mais informação do que a capacidade que têm de a digerir. Sabemos muito, mas compreendemos pouco daquilo que sabemos.

É preciso reflectir e permitir que o cérebro faça as conexões entre as informações que dispomos e a nossa experiência de vida (a memória) para encontrar o sentido e significado daquilo que se passa à nossa volta. Com o minimalismo digital, um simples passeio sem telemóvel, ou treinando não o consultar, devolve-nos a capacidade de pensar mais por nós próprios, em vez de consumir os pensamentos que os outros nos incutem.

Valerá a pena aderir a esta ideia de minimalismo digital?

Cal Newport observou nos minimalistas digitais que estudou serem pessoas mais satisfeitas com a vida. Diz ele que ”eles sentem estar de novo a controlar o que fazem, dirigem os seus esforços para objectivos que lhe dizem alguma coisa, e, por esse motivo, possuem um sentido de realização que antes sentiam falta no estilo de vida de ansiedade que levavam.”

O livro de Cal Newport Digital Minimalism sai no início de fevereiro de 2019.