Sempre gostei de ler livros. Para mim, ler livros de ficção estimula a imaginação e num instante sou transportado para mundos que não existem, mas repletos de mistério e acção. Ler foi motivo de celebração mundial do Dia do Livro a 23 de Abril, mas será que se deveria chamar assim?

 

Audrey Azoulay, directora geral da UNESCO diz que ”nestes tempos conturbados, os livros incorporam a diversidade da ingenuidade humana, dando forma à riqueza da experiência humana, expressando a busca de sentido e significado que todos partilhamos e que impulsionam todas as sociedades. Os livros ajudam a unir a humanidade como uma só família, num passado comum, história e herança, esculpindo um destino partilhado, onde todas as vozes são ouvidas no grande coro da aspiração humana.”

O tributo prestado aos livros e autores pretende encorajar todos, em particular os jovens, a descobrir o prazer de ler e ganhar um renovado respeito pelo contributo insubstituível daqueles que influenciaram com os seus escritos o progresso social e cultural da humanidade.

São palavras e ideias inspiradoras que se confrontam com uma realidade bem dura. No jornal Expresso desta semana destaca-se como a venda de livros em Portugal diminuiu cerca de 20% numa década, logo, a perspectiva dos livreiros não é animadora e eu compreendo-os. Mas será que celebrar o Dia do Livro, com grandes descontos que pretendem estimular o consumo, leva a que as pessoas leiam mais?

Será ”Dia do Livro” a expressão melhor, ou deveríamos antes celebrar o ”Dia da Leitura”? Que sentido faz um livro se não houver quem o leia? O drama que assistimos acaba por ser um resultado da era digital em que vivemos. Ao Expresso, Maria do Rosário Pedreira, responsável do grupo editorial LeYa afirma que ”a concorrência da tecnologia (smartphones e séries em streaming) criou um novo paradigma, em que as pessoas se viciaram numa forma de leitura rápida. Muitas delas são incapazes de se concentrar em leituras mais profundas. E se as sinapses [cerebrais] não são exercitadas, perdem-se.”

O desafio à leitura

Nos últimos anos, após este novo paradigma tecnológico, muitas pessoas começaram a dar-se conta de que não conseguiam chegar ao fim da leitura de uma página lembrando-se do que tinham lido no primeiro parágrafo. A tecnologia acabou por alterar o nosso cérebro de tal modo que não nos conseguimos sentar e ler uma página impressa porque o grau de concentração se tornou insuficiente.

No seu livro, Os Superficiais, o jornalista Nicholas Carr afirma que ”a alteração do papel para o ecrã não mudou apenas o modo como navegamos num pedaço de escrita. Influenciou também o grau de atenção que devotamos a esse e a profundidade com que imergimos [na sua leitura]. (…) A investigação continua a mostrar que as pessoas [que lêem em papel] compreendem mais, lembram-se mais, e aprendem mais do que aquelas que lêem texto apimentado com links.”

Eu já fui um grande adepto da leitura de eBooks e todos os meus curtos e poucos livros existem sobretudo online. Muito deve-se ao facto de ser possível fazê-lo com custos mínimos através de serviços de self-publishing como na Amazon que permite qualquer pessoa que tem algo a dizer ao mundo de o fazer através de um livro, sem passar pela decisão de alguém que não avalia somente o conteúdo, mas a plataforma que essa pessoa tem, induzindo à venda de um número mínimo de livros com sucesso. Mas enquanto a indústria de livreiros se preocupar com a venda de muitos ou poucos livros, penso que irá confrontar-se com o mesmo problema da vendas baixas porque, na realidade, são os inexistentes hábitos de leitura que precisam de ser estimulados, em vez da quantidade de livros que uma pessoa tem nas estantes.

Talvez faltem as razões para criar um hábito de leitura. Ler não é uma questão de gosto, mas de sobrevivência cultural. Posso não gostar do sabor de alguns medicamentos, mas se cuidam da minha saúde, não os tomo porque não gosto deles? Se encarássemos a leitura como o garante de uma mente aberta e saudável, conseguiríamos superar a questão de gosto.

Razão para ler

Criar um hábito exige uma razão.

A razão para ler podia ser conhecer mais e estar mais informado, mas há quem se contente com o que sabe.

A razão podia ser ocupar os momentos de tédio, mas há quem sinta não ter qualquer momento de tédio ou prefere navegar pela net e redes sociais.

A razão podia ser melhorar o conhecimento de uma língua, aumentar o vocabulário, e quantas mais outras razões, mas a cada uma podemos sempre encontrar uma contra-razão. Logo, haverá alguma razão universal que justifique a importância de criar um hábito de leitura?

Ler aguça a mente.

Quem lê pensa melhor e pensar leva-nos a viver com intensidade a nossa humanidade. Nesse sentido, ler é um acto exclusivamente humano. Ler alimenta os nossos pensamentos, ideias, tornando-nos capazes de conectar pontos com originalidade e formar padrões criativos cuja interpretação trazem novas visões que podem ter impacte cultural e social.

Um tipo de livro quase desconhecido

Mas, conseguem imaginar como celebrar o Dia da Leitura (em vez do Dia do Livro) pode expandir o próprio conceito de livro? Será que existem apenas livros em papel, electrónicos ou áudio? Parece-me existir um tipo de livros desde o alvor da cultura humana que só uma mente aguçada pela leitura possui a capacidade de ler.

O Livro-Vida.

Cada vida humana é um pedaço de história do universo que merece ser lido por uma mente aguçada pela leitura. Cada experiência cruza a realidade daquilo que é com a potencialidade daquilo que pode ser. O futuro escreve-se por cada segundo da tua vida e da minha, e dos relacionamentos entre vidas. Com um hábito de leitura desenvolvemos a capacidade de abrir a nossa mente à realidade contida nos sinais dos tempos que, por sua vez, nos abrem a novas realidades multifacetadas pela vidas de muitas pessoas.

Se quiseres criar um hábito de leitura começa por um página por dia, ou 5 minutos por dia. Começa por pouco e aumenta com consistência. Ao longo do tempo, o acumular de pequenos sucessos é a garantia de êxito. Podes começar um dia, ou escolher o dia-um para começar. Hoje?