Se fores tempo e perguntares ao tempo quanto tempo o tempo tem, o tempo responderá ao tempo que tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem. Ou seja, ficas na mesma porque o tempo é mais do que algo que se possui e devemos gerir. O tempo experimenta-se. Por que razão, então, procuramos gerir o tempo? Será que gerir o tempo é o que realmente deveríamos gerir?

Foto de nor Younis em Unsplash
Foto de nor Younis em Unsplash

 

No contexto ocidental, temos apenas uma palavra para tempo, mas na mitologia Grega, o tempo entendia-se com as histórias de três irmãos — Cronos, Kairos e Aion. O último, Aion, referia-se ao tempo cíclico, ilimitado, eterno e associado ao que está para além até do próprio tempo. O Cronos é o irmão do tempo sequencial, de um evento após outro, é o que nos dá as noções de passado, presente e futuro, é implacável na sua direcção, não pára e segue sempre em frente. É daqui que vem o nosso tempo cronológico. O Kairos é o irmão do tempo certo, ou seja, o tempo definido pelos próprios eventos. Se sinto um aperto no estômago está na altura certa (tempo kairológico) para almoçar. Por isso, os tempos cronológico e kairológico são as noções mais relacionadas com a experiência concreta que fazemos de tempo.

No tempo cronológico somos nós que andamos atrás do tempo. No tempo kairológico são os momentos que vêm ter connosco. O tempo cronológico é a visão que mais nos leva a dizer — «não tive tempo» — quando, na prática, o tempo não se possui. E poderíamos argumentar que os que vivem, sistematicamente, no tempo cronológico, vivem uma vida fragmentada pelo tempo. Minuto após minuto, e o conjunto de tarefas que têm pela frente dita aquilo que vivem em cada momento presente. E uma vida fragmentada corre um sério risco de se tornar numa vida desorientada. Nesse sentido, a necessidade que as pessoas têm de gerir melhor o seu tempo, na prática, expressa o desejo que têm de gerir melhor a sua vida e aquilo que têm para fazer.

Uma vez tinha a cozinha por arrumar, sobretudo, meter a loiça na máquina. Os pratos todos sujos do jantar daquele dia, mais os que havíamos usado no almoço, e estava cansado. Não queria nada fazer aquela tarefa e baixava a cabeça à procura da motivação que não tinha. Foi nesse momento que pensei — «qual a coisa mais simples, óbvia e pequena que posso fazer?» — e resolvi meter uma faca na máquina. Depois, pensei — «bom, já que pus a faca, posso pôr, também, este garfo. E já que meti o garfo, agora, talvez meta este prato.» — Escusado será dizer que a cozinha ficou toda arrumada. Qual a lição? Fragmentar aquilo que tinha para fazer em partes tão pequenas que o meu cérebro não conseguisse recusar em as concretizar.

Será que funciona sempre? Como experimentalista, ao olhar para a pilha de roupa para estender, decidi aplicar o que tinha idealizado e, claro, resultou. Mas acabei por verificar que resulta também quando quero escrever um artigo, corrigir exames, ler um livro, preparar um projecto, ou seja, em qualquer tarefa média ou grande a realizar. Se fragmentarmos as coisas em vez do tempo, acabamos por realizá-las no tempo cronológico porque as vivemos bem no equilíbrio com o tempo kairológico, o tempo certo. E o resultado é a realização de um trabalho de qualidade.

Na minha experiência, a realização da coisa mais pequena que o cérebro não recusa significa ainda que lhe podia dedicar a máxima atenção. E, de facto, uma vida fragmentada pelo tempo cronológico, acaba por ser uma vida com uma atenção fragmentada. Por isso, quando dediquei a máxima atenção a algo pequeno, a experiência era a de uma gestão mais cuidada da atenção, e não tanto do tempo.

Poderão pensar que o meu argumento tem lógica quando o que fazemos no tempo que nos é dado depende apenas de nós, mas quando o que fazemos com o nosso tempo depende, também, do tempo dos outros, a falta de sintonia entre ritmos de vida diferentes pode comprometer esta abordagem. É um desafio que exige paciência, compreensão e resiliência.

Quem acaba por gerir a sua atenção para evitar que a sua vida seja fragmentada pelo tempo cronológico, testemunha um modo diferente de viver e isso desperta a curiosidade nos outros. Mais do que ideias para os outros fazerem, viver bem o tempo certo torna-nos uma realidade que pode inspirar os que estão à nossa volta.

Podes começar um dia a viver assim, ou escolher o dia-um para começar. A decisão é tua.


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