Um dos maiores desafios para saber aprender são as distracções. Chegam-nos através dos pings, de não sabermos lidar com os momentos de tédio. Mas nem todas as distrações são más.

Foto de Gigi em Unsplash.com
Foto de Gigi em Unsplash.com

Por vezes encontramo-nos bloqueados numa frase, ou problema, e não sabemos o que fazer, como terminar a frase ou resolver o problema. Mas, em nome da capacidade de concentração e de focar a nossa atenção insistimos, o que não é mau por si, mas será absolutamente necessário?

Deparei-me com uma visão positiva sobre as distracções quando estava a ler o livro de Naomi Baron Words Onscreen numa parte que falava sobre a Distracção Criativa. Fiquei intrigado.

Tipos de Distracção

O filósofo francês do século XVIII, Denis Diderot, tinha uma visão particularmente interessante da mente distraída. Dizia,

”da distracção emerge uma excelente qualidade da compreensão, que permite o confronto de ideias, ou o despertar recíproco entre ideias. É o oposto do estupor da atenção que mantém, ou recicla, sempre a mesma ideia.”

Achei curiosa esta visão positiva sobre o efeito que podem ter as distracções. Isso significa, também, que existem diferentes tipos de distracções.

Natalie Phillips no seu livro ”Distraction: Problems of Attention in Eighteenth-Century Literature” identifica quatro tipos de distracção:

  • o vaguear da mente
  • a atenção dispersiva
  • o lapso de concentração
  • e a atenção dividida

Enquanto a atenção dispersiva e a atenção dividida envolvem saltos na mente entre pontos de focagem, o vaguear da mente ou lapsos de concentração estão mais no espírito daquilo que escrevia Diderot, isto é, a mente liberta-se daquilo em que está focada e bloqueada, e entra à deriva pelo mar das ideias, de onde podem surgir algumas novas, ou novas ligações entre ideias conhecidas. Mas estes tipos não possuem todos o mesmo efeito sobre nós.

Existem distracções que são criativas e outras destrutivas. O modo de as distinguir é capturado, de modo original, pelo escritor britânico Hanif Kureishi quando diz,

”temos de saber distinguir as distracções criativas das destrutivas pelo tipo de paladar que deixam, isto é, se nos deixam empobrecidos ou enriquecidos.”

Dos quatro tipos, penso que o vaguear da mente e a atenção dispersiva sejam distracções criativas, enquanto a atenção dividida e os lapsos de concentração são distracções destrutivas, pois o facto de dividir e quebrar a atenção, significa a substituição por coisas exteriores a nós e que impedem o encontro com os nossos pensamentos, como no caso do vaguear da mente e atenção dispersiva associados ao sonhar alto. Pensemos no que isto quer dizer.

Por exemplo, é muito comum ficar bloqueados enquanto escrevemos alguma coisa. Fartos, levantamo-nos e vamos fazer um chá. Enquanto aguardamos que a água ferva, acabamos por criar uma oportunidade para a mente vaguear e encontrar boas ideias para continuar o que estávamos a escrever.

Quando as interrupções criam o espaço para que a nossa consciência interior trabalhe, revelam-se como distracções criativas. Isso abre um espaço de possibilidades e realizações impensado, mas que está ao alcance de cada um. É como se trabalhássemos o subconsciente conscientes disso, tirando proveito das múltiplas camadas que compõem a nossa capacidade mental. Mas há um perigo à espreita.

O multitasking

Russel Poldrack é neurocientista e usa imagens do cérebro para estudar como a mente humana lida com os sucessos e falhas. Num artigo para o Huffington Post, Poldrack diz que a atracção que o cérebro sente pelo multitasking tem a ver com a resposta à novidade.

”O cérebro” – afirma – ”está feito para ignorar o velho e focar-se no novo.” A novidade é um dos pólos atractivos mais potentes da nossa atenção. Quando nos confrontamos com a novidade, o cérebro activa o sistema produtor de dopamina, um neurotransmissor que nos faz desejar o “algo mais” contido em tudo o que é, para nós, novo.

A dopamina é muito importante para responder ao novo com motivação e desejo de explorar mais, mas quando o estímulo se torna sistemático, cria dependência e algumas coisas, inicialmente inocentes, tornam-se um vício. Isto é um aspecto importante para a aprendizagem e memória. O cérebro é plástico, significando isso que pode mudar drasticamente com a nossa experiência. Daí que ao observarmos imagens invertidas durante algum tempo, o nosso sistema visual não fica afectado e passa a ver tudo invertido porque a dopamina funciona como sistema de controlo, levando-nos a aprender a distinguir e interpretar o que observamos.

Mas o que tem isto a ver com o multitasking? A razão para que uma pessoa responda a um SMS enquanto conduz não tem tanto a ver com a demonstração da sua capacidade para o multitasking, quanto a demonstração de que tem dificuldade em discernir o que é, realmente, uma novidade que merece a nossa atenção, daquela que merece ser ignorada. Daí a razão, infelizmente, de muitos acidentes de viação, alguns com fins trágicos.

O que existe realmente, em muitos dos casos, é um switchtasking, trocamos de tarefa para uma que nos distrai, mas se não praticamos o auto-domínio e discernimento, como a capacidade de saber escolher onde focar a nossa atenção, corremos o risco de ceder a uma distração destrutiva.

Praticar o vaguear da mente e atenção dispersiva não dispensa este auto-domínio para evitar o multitasking e, com treino, usarmos momentos de distracção para desenvolver a criatividade e tornarmo-nos artistas da distracção.